Por Sergio Nojiri
Quem me conhece sabe que não sou propriamente um apreciador do latim, grego ou
outras línguas antigas, mas neste caso essa antiga e conhecida frase do poeta romano
Juvenal retrata exatamente o problema que quero aqui expor: quem vigia os vigilantes?
Deixe-me esclarecer. Já há algum tempo, o juiz federal Sergio Moro vem ocupando as
principais manchetes da mídia jornalística. Trata-se de um caso único de juiz com status
de celebridade (o mais próximo dele talvez tenha sido o ministro aposentado – e hoje
meio esquecido – Joaquim Barbosa). Difícil pensar em alguém com tamanha exposição
e aceitação perante a opinião pública em geral.
Pois bem. Apesar de gozar de largo prestígio perante a maior parte da população, é certo
que suas ações têm gerado profunda controvérsia nos meios jurídicos e fora deles, como
quando decidiu, no intuito de averiguar as relações entre o Ex-presidente Lula e as
empreiteiras Odebrecht e OAS, autorizar interceptações telefônicas no ramal central do
escritório Teixeira, Martins e Advogados, e ouvir a conversa de todos os 25 advogados.
Inúmeras outras situações controversas poderiam, nesse sentido, ser lembradas, mas
gostaria de fazer referência a uma em especial.
Recentemente, um grupo de 19 advogados ingressou com uma representação contra o
juiz Moro, motivada pelo levantamento do sigilo telefônico do Ex-presidente Lula em
conversa com a Presidenta da República, à época, Dilma Rousseff. Os advogados que
interpuseram a representação entenderam que a divulgação pública das conversas
telefônicas interceptadas comprometeu o direito fundamental à garantia do sigilo,
previsto no art. 5º, XII, da CF. Afirmaram, também, que houve violação à Lei n.
9.269/96, à Lei Orgânica da Magistratura Nacional, ao Código de Ética da Magistratura
Nacional e à Resolução CNJ n. 59/2008.
O Corregedor-Regional da Justiça Federal da 4ª Região determinou o arquivamento da
representação. Diante dessa decisão, foi interposto recurso perante o Tribunal Regional
Federal da 4ª Região, que, por expressivos 13 votos a 1 considerou “incensurável” a
conduta do juiz Moro.
Os fatos que fundamentaram essa representação já haviam sido objeto de Reclamação
(Rcl n. 23.457) junto ao STF. À propósito, o próprio juiz Sergio Moro pediu
“respeitosas escusas” a esse tribunal, afirmando que: “O levantamento do sigilo não
teve por objetivo gerar fato político-partidário, polêmicas ou conflitos, algo estranho à
função jurisdicional…”
Fato é que o Ministro Teori Zavascki reconheceu, naquela oportunidade, a ilegalidade
do levantamento do sigilo. Ponderou que o juízo era reconhecidamente incompetente
para a causa, ante a constatação do envolvimento de autoridade com prerrogativa de
foro, a Presidente da República. Afirmou que houve violação ao direito fundamental à
garantia de sigilo (art. 5º, XII) e à Lei 9.269/1996, que veda expressamente a divulgação
de qualquer conversação interceptada (art. 8º) e determina a inutilização das gravações
que não interessem à investigação criminal (art. 9º). E concluiu:
Não há como conceber, portanto, a divulgação pública das conversações do modo como se
operou, especialmente daquelas que sequer têm relação com o objeto da investigação criminal.
Contra essa ordenação expressa, que repitase, tem fundamento de validade constitucional é
descabida a invocação do interesse público da divulgação ou a condição de pessoas públicas dos
interlocutores atingidos, como se essas autoridades, ou seus interlocutores, estivessem plenamente
desprotegidas em sua intimidade e privacidade (Rcl 23457, Relator(a): Min. TEORI ZAVASCKI,
julgado em 13/06/2016, publicado em PROCESSO ELETRÔNICO DJe124 DIVULG 15/06/2016
PUBLIC 16/06/2016).
O ministro, no entanto, não vislumbrou indícios de infração administrativa ou penal por
parte do magistrado.
Voltemos agora à decisão do TRF da 4ª Região. O relator do recurso, desembargador
federal Rômulo Pizzolatti não viu nenhum indício de infração por parte do juiz Moro,
no que foi acompanhado pela maioria. Mas como o relator Pizzolatti justificou a
divulgação pública das conversas captadas? Ele partiu do pressuposto de que a
Operação Lava-Jato constitui um “caso inédito (único, excepcional) no direito
brasileiro”. E em tais situações, o “regramento genérico” aplicado aos “casos comuns”,
não seria aplicável às interceptações telefônicas ordenadas pelo juiz Moro. Em outras
palavras, a legislação em vigor não se aplica às decisões emanadas no âmbito da Lava-
Jato, que é um caso inédito.
Para reforço de sua tese, o desembargador Pizzolatti acrescenta que antes da
Reclamação n. 23.457 não havia “precedente jurisprudencial de tribunal superior”, não
se podendo, portanto, censurar o magistrado por adotar “medidas preventivas da
obstrução das investigações da Operação Lava-Jato”. E conclui:
Apenas a partir desse precedente do STF (Rcl nº 23.457) é que os juízes brasileiros, incluso o magistrado representado, dispõem de orientação clara e segura a respeito dos limites do sigilo das comunicações telefônicas interceptadas para fins de investigação criminal.
Deixo aos leitores e leitoras a reflexão sobre a justificativa do voto do relator, no sentido
de que somente após a Reclamação 23.457 é que surgiu uma “orientação” sobre os
limites do sigilo das comunicações telefônicas. Cabe ressaltar que esse argumento
convenceu 13 desembargadores federais de um universo de 14. 1
De minha parte, retomo a pergunta do poeta Juvenal, dessa vez no contexto do atual
direito brasileiro: na Operação Lava-Jato, quem vigia o vigilante Moro?
Um comentário em “Quis custodiet ipsos custodes?”