Por Thales Messias Pires Cardoso (Procurador da República em Uberaba) e ex estudante da FDUSP
Recentemente, chamou a atenção do público a seguinte afirmação do Ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes: “Quanto ao Janot, eu o considero o procurador-geral mais desqualificado que já passou pela história da Procuradoria. Ele não tem preparo jurídico nem emocional para dirigir um órgão dessa importância.”
A declaração, feita em entrevista à imprensa, configura manifestação depreciativa incompatível com o exercício da magistratura: se críticas há ao trabalho do membro do Ministério Público que oficia perante a própria corte em que atua o ministro, cabe a ele exara-las nos autos respectivos.
Além disso, a par de se contrapor ao dever de urbanidade que deve nortear a relação entre os que exercem os mais altos poderes da República, a afirmação não tem fundamento e discrepa da realidade.
O atual Procurador-Geral da República possui respeitável trajetória no Ministério Público Federal. Mantém, no exercício de seus deveres funcionais, postura firme, altiva e discreta.
Em que pese ser alvo de reação por parte daqueles detentores de poder político e econômico atingido pelo combate à corrupção sem precedentes no país, e dos setores de imprensa que os apoiam, nada há nesses ataques que comprometa a sua reputação, como seria de se esperar se ilibada não fosse.
Os 4 anos de gestão de Janot na Procuradoria-Geral da República representam um período de aprimoramento institucional. Certamente existiram erros, mas o balanço é deveras positivo. Houve enormes avanços na organização interna, cooperação internacional e recuperação de ativos. A criação e apoio às forças tarefas propiciou um salto de qualidade e efetividade, não apenas no combate à corrupção, mas também em outras áreas, como meio ambiente e direitos humanos, v.g., a Força Tarefa Rio Doce, relativa à tragédia de Mariana.
Entretanto, é a atuação das forças tarefas da Lava-Jato, seja a da Procuradoria-Geral da República, a de Curitiba ou a do Rio de Janeiro, que causa maiores reações, tendo Janot como um dos principais alvos.
Além das afrontas pessoais aos seus membros, a Lava-Jato sofre reações políticas das mais diversas, como tentativas de calar colaboradores e até mesmo projetos de lei que alteram as regras do jogo, notadamente a disciplina do instituto da colaboração premiada.
Não bastasse, têm-se ainda reações “jurisdicionais”, materializadas, principalmente, na insistente tentativa de rever a possibilidade de prisão do condenado criminalmente quando esgotadas as instâncias ordinárias de julgamento. Tal se dá sem qualquer fato novo e à revelia de precedentes recentes da Corte Suprema, justo no momento em que a Justiça Criminal alcança pessoas historicamente inatingíveis pelo sistema.
Neste contexto, a declaração do eminente Ministro, infundamentada e discrepante dos fatos, não ajuda no combate à corrupção. Não se sabe o que a motivou, mas certo é que não se espera tal descortesia por parte de um Ministro do Supremo Tribunal Federal.