Por Igor Campos (Uber) – TX
Na última semana, o chocante caso da esterilização forçada de uma mulher negra e pobre, Janaína Aparecida Aquino, provocou o desgosto em qualquer ser humano cuja perspectiva não se limita ao próprio umbigo. Ainda que, historicamente, essa medida desprezível tenha sido utilizada de modo sistemático em regimes deploráveis, como na Alemanha nazista de 1933 em diante, o ocorrido no Brasil parece espantar de forma distinta. É que, talvez, a proximidade dos fatos desperte esse sentimento único de impotência em quem ainda não abdicou do Outro.
Do ponto de vista sociológico, nada mais próprio da modernidade do que promover o controle dos corpos. O modelo do Panóptico de Jeremy Bentham explica: quem vigia a prisão, vê sem ser visto. O vigiado, por sua vez, é visto, mas não vê. Essa disposição desigual dos corpos permite, consequentemente, uma distribuição desigual do poder. E do que se trata a institucionalização da laqueadura feita de forma coercitiva, senão de uma forma de controlar pelo poder estatal o que compete somente à mulher, ou seja, o seu próprio corpo?
Contudo, o lamentável fato não se esgota no âmbito institucional, pois este é mero reflexo da sociedade civil. Se o procedimento foi realizado com a anuência de agentes do Estado, é porque eles encontram respaldo ideológico nas suas relações sociais cotidianas. Assim, cabe nos perguntarmos quando a empatia habermasiana ou a compaixão rousseauniana, essa verdadeira capacidade do sujeito de se colocar na posição do Outro, deixou de orientar as ações dos indivíduos. Só desse modo explica-se tamanha atrocidade feita contra Janaína.
Além disso, é evidente que o projeto iluminista de modernidade falhou. A promessa de que o desenvolvimento técnico-científico permitiria ao homem a criação de formas de sociabilidade mais avançadas, baseadas na autonomia, liberdade e emancipação humana deparou-se com enormes obstáculos. Todavia, tratam-se de obstáculos contornáveis por meio da ação coletiva que não devem ser encarados como intransponíveis. Tragédias como a vivenciada por Janaína, pelo contrário, relembram de nossa responsabilidade mútua na mudança. Retiremos a poesia, portanto, do futuro que almejamos.
Querias, por acaso,
que eu odiasse a vida
e fosse para o deserto
porque nem todos os sonhos em flor
deram certo?
– Goethe