Maiara Mello (Valente) – TX
Eu não queria escrever mais um romance. Ou ainda o começo de um. Principalmente porque parece que essa história foi tirada de um deles. Mas não posso evitar. Sou uma daquelas pessoas que devoram uma comédia romântica e ainda sonham em encontrar sua cara metade dentro de uma lojinha de biscoitos em uma cidadezinha europeia, durante a fuga da rotina estressante de uma carreira de sucesso.
Mas as coisas não funcionam desse jeito. Pelo menos era assim que eu pensava.
No filme Megarromântico da Netflix, quando a mocinha acorda, o mundo dela ganhou uma nova paleta de cores, a rua parecia uma mini Paris com todas as flores ao redor e até mesmo os cachorros passaram por uma gourmetização. Eu não vi nada disso no caminho para o trabalho, tampouco vi alguma mudança enquanto servia as mesas do bistrô. Aliás o dia ficou pior quando me pediram para cobrir parte de um turno.
Enquanto eu me dirigia para a mesa, nessa horrenda hora prologada, a garota não foi rodeada por uma luz dourada, ela nem ergueu os olhos quando pediu o café dela, estava pregada no livro. Ela era bonita, de fato. No entanto também não me deu muita atenção quando lhe entreguei o café ou levei a conta.
Na semana seguinte, ela estava lá mais uma vez. Tomei a iniciativa de atende-la, pensando que ela se lembraria de mim. A menina lia um livro diferente e mais uma vez não me deu atenção. E na outra quarta, a mesa 13 estava ocupada pela mesma integrante. Vamos chama-la de leitora. E eu fui atender mais uma vez. Era o meu lado trouxa falando mais alto.
Às vezes parece que o universo quer ser notado. E, meu Deus, como eu concordei com isso. O livro da vez era A culpa é das estrelas. Eu já tinha lido de cabo a rabo.
Anotei o pedido da leitora e fui me retirar, mas não sem antes perguntar se ela já tem a vontade de viajar para Amsterdam depois de ler. Ela me olhou por cima dos óculos e disse que não.
– Talvez devesse ler melhor então. Um dos objetivos do John Green é fazer a gente gastar rios de dinheiros lá. Se assistir ao filme fica pior.
Ela sorriu e disse que pensaria melhor no meu caso. Antes de ir embora, a leitora perguntou se eu já tinha lido o livro. Eu disse que sim e a conversa começou. Eis aqui a primeira lição: nenhuma leitora que se preze deixa passar a oportunidade de discutir o novo espécime em suas mãos. O balde de água fria caiu quando ela devolveu a comanda e reparei no desastre: um anel de noivado, brilhando impotente e zombando da minha cara.
O universo quer ser notado. O anel quer ser notado. O anel deve ser notado. E foi isso que eu pensei na semana seguinte quando ela chegou. Com um novo livro e uma nova conversa. E na outra semana, e na outra depois dessa e assim vai.
A leitora era uma daquelas pessoas que emanavam o gosto pelo que faziam. Ela estudava literatura e gostava de falar sobre isso. E eu gostava de ouvir. Gostava também de ver a destreza de segurar um café quente com uma mão e abrir o livro com a outra. Gostava de ver como a testa ficava franzida. Gostava de ver como os livros refletiam o humor dela do dia. Eu ansiava pelas quartas feiras e mais ainda pelas mensagens esporádicas dela.
Sem perceber, eu já era dela. Ela poderia destruir meu coração se assim desejasse, embora não soubesse disso.
Até que ela me entregou o livro da semana com a mão direita, mas o anel não estava lá. Seria o meu momento, talvez? Acho que será dessa forma mesmo, mais um romance que envolve livros, um bistrô na calçada e uma aliança.